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Novembro Azul: o percurso da campanha de conscientização baseada em evidências

28/11/2023

Por Carolina Vaz, com informações de Luiz Alves Araújo Neto, Antônio Augusto Modesto e outros

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Foto: Raul Santana/Fiocruz.

O Novembro Azul, campanha de conscientização sobre o câncer de próstata e saúde do homem, carrega uma história de idas e vindas em sua abordagem, a partir do próprio avanço dos estudos sobre sua prevenção, diagnóstico e tratamento. Como muitos outros aspectos da saúde, este não tem um percurso linear e resolutivo quanto ao rastreamento e tratamento, tendo alcançado uma orientação de saúde preventiva em geral e capacitação dos profissionais de saúde.

O controle do câncer guiado pelos “cânceres femininos”

Segundo estudos do pesquisador do OHS Luiz Alves Araújo Neto, em sua tese de doutorado “Prevenção do câncer no Brasil: mudança conceitual e continuidade institucional no século XX” (2019), o controle e prevenção do câncer no Brasil, impulsionados pela Campanha Nacional Contra o Câncer na década de 1960, por décadas teve seu foco nos “cânceres femininos”, principalmente o câncer de colo de útero. Considerado um dos cânceres de mais fácil identificação, através do exame citopatológico, este abriu caminhos na área, gerando protocolos e políticas para o controle e prevenção de outros cânceres. Alguns exemplos foram a criação de programas nacionais de rastreamento e criação de centros diagnósticos menores e separados dos hospitais, voltados apenas para o câncer. Mas a área também foi influenciada, no final do século XX, pela “medicina baseada em evidências”, que consistia na integração entre prática clínica e pesquisa sistemática com dados oriundos de ensaios clínicos e outros estudos pautados pela produção coletiva de evidências  (ALVES, 2019 apud Sackett et al., 1996). Assim, a história do controle do câncer de próstata se diferencia.

Já nos anos 80, o câncer de próstata era considerado uma prioridade epidemiológica, mas a eficácia do tratamento ainda tinha pouca comprovação em estudos. Em 1995, o tumor prostático foi o tema do Dia Nacional de Combate ao Câncer, organizado pelo INCA. Na tese, Alves mostra que esse tipo de tumor estava fora dos simbolismos mais associados ao câncer: ser um problema feminino ou do envelhecimento. Além disso, havia o tabu de um homem maduro procurar atendimento médico, e o combate deste tabu era um dos focos das campanhas de conscientização. Foi na década de 1990 que se definiu o exame de identificação do antígeno prostático específico, o PSA, como técnica preferencial para rastreamento do câncer prostático.

Campanha não prevê rastreamento

O câncer de próstata é o segundo mais comum entre homens cisgênero no Brasil, ficando atrás apenas do câncer de pele não melanona, o que se torna um alerta para sua detecção. Porém, o avanço dos estudos sobre a eficácia dos procedimentos para identificação do tumor e do próprio tratamento fizeram com que a campanha pela prevenção, como algo que deve ser feito a partir de certa idade ou outros fatores de risco, fosse questionada e redirecionada. Uma vez que a identificação demandaria ultrassonografia transretal e biópsia de próstata, os procedimentos não foram considerados benéficos de forma generalizada, e assim caberia a cada pessoa e a seu médico investigar a existência do tumor e que caminho seguir para controlar a situação.

Antônio Augusto Modesto e outros autores, no artigo “Um novembro não tão azul: debatendo rastreamento de câncer de próstata e saúde do homem” (2018), relata que em 2013 o INCA recomendou que não se organizassem programas de rastreamento populacional para a neoplasia, uma vez que este produziria mais danos que benefícios. O autor explica que o rastreamento com PSA, com ou sem toque retal, pouco diminui a mortalidade por câncer de próstata: “Esse pequeno benefício não compensa os riscos relacionados à biópsia prostática, o impacto psicológico de um resultado falsopositivo, o sobrediagnóstico e as sequelas do tratamento” (MODESTO et al, 2018).

Foi assim que o rastreamento populacional do câncer de próstata deixou de ser estimulado, mas não foi abandonado o trabalho com profissionais de saúde para que discutam os prós e contras da investigação com homens cisgêneros e pessoas trans e travestis com características biológicas associadas ao masculino. Em 40 anos de conhecimento da doença, a abordagem do câncer de próstata e do Novembro Azul saiu do espaço “médico”, associado ao toque retal e realização do exame PSA, para um cuidado mais integral com a saúde. Assim, trabalha-se a conscientização para que se esteja sempre atento a sinais e realizando exames de rotina de saúde preventiva.

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