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Saúde para todos não é ideia fora do lugar

20/10/2021

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Imagem ilustrativa, médico atende paciente

Acesse em nossa Biblioteca o artigo “Corporativismo, cidadania regulada e o ‘fantasma da classe ausente’”, de José Roberto Franco Reis, pesquisador do OHS. Reis problematiza certo consenso no campo da saúde de que a cidadania regulada, baseada na ocupação e não em um código de valores políticos em que ser membro da comunidade seria suficiente, estabelece obstáculos a qualquer perspectiva de direito à saúde investida de um sentido de acesso universal no Brasil.

Nessa perspectiva, a cultura de direitos segmentada e corporativa originada nos anos 1930 seria responsável pela inexistência de uma consciência de solidariedade e de identidade de classe entre os trabalhadores. O que teria se estabelecido por intermédio da cultura política trabalhista brasileira, submetida a uma razão corporativa, não seria uma cultura de direitos, solidária, classista, universalista. Seria uma cultura da diferenciação. Uma cultura de direitos muito peculiar que transmudaria a ideia de direito em privilégio, sendo o privilégio daqueles que possuíam carteira de trabalho assinada. Nessa condição, apenas os inseridos no mercado formal de trabalho integram, por extensão, o mundo dos direitos sociais, com assistência à saúde inclusive.

Sendo assim, a reforma sanitária brasileira que originou o SUS com a proposta de instituir a saúde como um direito de todos e dever do Estado, de acordo com a Constituição de 1988, estaria na contramão de algo que viria de longe e que contrariaria a extensa tradição segmentada, restrita e corrompida de direitos no Brasil, dada a presença de uma eterna práxis corporativa e suas correlatas políticas sociais. Reis destaca que a literatura do campo da saúde tem apontado a incipiente e frágil base de apoio ao movimento de reforma sanitária e ao SUS entre os sindicatos de trabalhadores, que teriam se mobilizado para obter planos e seguros privados de saúde. Nesse sentido, o movimento sanitário falaria a uma classe operária ausente, ou seja, que não se faria presente no processo político da reforma.

No entanto, José Reis procurou mostrar que é possível sugerir que as coisas não tenham se passado exatamente assim. Um dos aspectos para o qual o autor chama a atenção diz respeito ao fato de que, se é verdade que a cidadania regulada estabeleceu clivagens e disputas entre excluídos e incluídos, deve-se admitir que tal clivagem nunca foi absoluta ou monolítica. Isso porque, expressou também uma promessa de integração social relativamente compartilhada decorrente da atratividade dos direitos e do sonho de autopromoção pessoal por meio do trabalho protegido pelo Estado, que passa a fazer parte das expectativas das populações. Assim, apesar de nunca ter se universalizado, o mercado formal estruturou um conjunto de relações sociais e econômicas, tornando-se um ponto de referência para a estruturação das expectativas individuais e coletivas quanto aos padrões do mercado de trabalho.

Portanto, apesar de uma longa história pregressa de corporativismo e cidadania regulada, Reis procurou mostrar que tais arranjos sociais não são necessariamente constrangedores de uma cultura de solidariedade. Logo, conclui que a inscrição da saúde como direito de todos e dever do Estado na Constituição de 1988 talvez não esteja tão em desacordo em termos históricos com certos padrões mundiais e não seja tão inédita e fora do lugar como os estudiosos do campo da saúde têm salientado. Confira o artigo. Boa leitura!

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