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Relatório da FAO mostra crescimento da fome no Brasil de 2020 a 2022

20/07/2023

Por Carolina Vaz, com informações do Governo Federal, Portal Humanista da UFRGS, G1, Blog OHS, Conselho Nacional de Saúde e Luiz Alves Araújo Neto

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Foto: Tânia Rego / Agência Brasil

Em novo relatório divulgado na última semana, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) reporta que o Brasil atingiu, em 2022, o número de 70,3 milhões de pessoas no estado de insegurança alimentar moderada, ou seja, encontrando dificuldades para se alimentar adequadamente. Desses, 21,1 milhões de brasileiros passaram por insegurança alimentar grave, que é o estado de fome. No período anterior analisado, de 2019 a 2021, a quantidade de brasileiros em situação de insegurança alimentar era de 60,3 milhões, tendo uma parcela de 15,4 no estado de fome.

Os resultados estão no relatório “O Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo (SOFI)”, que analisa os dados a nível global indicando características de continentes, regiões e países em específico. Parte do problema está associada à pandemia, que diminuiu a renda das famílias de modo geral em virtude do isolamento e desemprego, mas não somente. Para Rafael Zavala, representante da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) no Brasil, persiste em escala global um problema de distribuição de alimentos, que são produzidos em quantidade suficiente para alimentar todas as pessoas do planeta.

No Brasil, para analisar a insegurança alimentar entre 2020 e 2022 é preciso olhar para as políticas públicas que foram desmontadas no país. Já em agosto de 2020, sexto mês da pandemia, o Blog do OHS relatava o desfinanciamento do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) do governo federal, a extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA) logo no início de 2019 e a exclusão de famílias no Programa Bolsa Família. Com mais detalhes, o artigo mostra os malefícios do desfinanciamento do PAA tanto para quem produz quanto para quem consome os alimentos:

O PAA foi criado em 2003 com o objetivo de viabilizar a compra direta da agricultura familiar, sem licitação, visando o abastecimento de equipamentos públicos voltados para fornecimento de alimentos e refeições a populações em situação de vulnerabilidade social (restaurantes populares, instituições públicas de ensino). Desde 2014, o programa vem sofrendo um desfinanciamento progressivo. O orçamento previsto na LOA para o PAA ainda em 2014 foi de R$1,3 bilhão; em 2018 esse valor caiu para R$ 219 milhões”.

Gabriele Carvalho de Freitas, no artigo “O agravamento da fome: o Covid-19 e suas consequências”

Pouco mais de um ano depois, já com a aplicação da vacina contra a Covid-19 na população em geral e a possibilidade de retomada dos empregos, a fome e a insegurança alimentar persistiam. O Auxílio Emergencial havia atendido 67 milhões de brasileiros, e mais da metade havia utilizado para comprar alimentos, num contexto em que a cesta básica chegou a custar mais de R$500. Tudo isso levou grande parte da população a passar a adquirir alimentos mais baratos, em sua maioria ultraprocessados ricos em açúcares, sódios e gorduras, e pobres em nutrientes, deixando-os vulneráveis a doenças crônicas como diabetes e hipertensão, dentre outras como o próprio câncer.

Pesquisadores que participam do Conselho Nacional de Saúde (CNS) têm alertado justamente para esse desequilíbrio no qual a “comida de verdade” se torna cada vez mais cara ao longo de sua cadeia produtiva, em virtude da carga tributária, enquanto ultraprocessados recebem crédito tributário. Um exemplo é que, enquanto uma lata de refrigerante recebe subsídio, uma abóbora pode chegar ao fim da cadeia produtiva pagando 18% de imposto. Os pesquisadores alertam que o SUS vive uma sobrecarga no tratamento de obesidade, doenças cardíacas, câncer, diabetes, doenças renais, cerebrovasculares e osteomusculares, e defendem uma reforma tributária com isenção de ICMS para frutas, ovos, alimentos da sociobiodiversidade, arroz, feijão e demais alimentos in natura.

Segundo estudos do pesquisador do OHS Luiz Alves, já nos anos 1980 se debatia como um dos fatores de risco ao câncer a exposição a agrotóxicos, e nos anos 1990 havia a preocupação com hábitos alimentares que excluíam alimentos possivelmente preventivos da doença. No início dos anos 2000, os epidemiologistas Sergio Koifman e Rosalina Koifman, pesquisadores da Fiocruz, demarcavam como fatores de risco para o câncer a queda no consumo de frutas e vegetais, além da exposição ocupacional e não-ocupacional a produtos químicos carcinogênicos.

Com o início do novo governo federal, neste ano de 2023, abrem-se novas perspectivas para a retomada da segurança alimentar no país, a começar pelo novo Bolsa Família que, segundo o Ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome do Brasil Wellington Dias, já retirou 18,5 milhões de famílias da linha da pobreza em junho passado. Além disso, logo em março de 2023 foi recriado o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), viabilizando que a federação, os estados e os municípios comprem alimentos produzidos pela agricultura familiar para abastecer creches, escolas e hospitais públicos, restaurantes populares, cozinhas comunitárias e bancos de alimentos. O orçamento para 2023 é de R$500 milhões, que serão enviados a municípios para que adquiram os alimentos em diversas modalidades de compra: aquisição de leite e distribuição gratuita; compra direta para regular estoques ou utilizar em situações de emergência; compra institucional para uso em órgãos públicos, entre outras modalidades.

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