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Parto em perspectivas: reflexão inicial, por Lucia Nicida

Por Lucia Regina de Azevedo Nicida

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Parto em perspectivas: reflexão inicial. Foto de Patricia Prudente no Unsplash.

Pensar o parto levou-me a refletir sobre o tema a partir de diferentes perspectivas. Nos últimos anos, tenho me dedicado a pesquisas teóricas, pesquisas de campo e análises sobre a assistência ao parto no Brasil. Um aspecto que tenho constatado, e que tem em muito me incomodado, é que, a despeito de trabalhos de grande consistência e profundidade que têm sido produzidos, muito pouco dessa produção tem chegado até a mulher. Situação que ganha destaque ainda maior quando se tem consciência de que essa mulher é a protagonista do evento do parto.

Como forma de contribuir para a mudança desse cenário, proponho transformar esse incômodo em inspiração e motivação para o diálogo. Digo diálogo porque minha proposta é que possamos estabelecer uma comunicação, seja pelo e-mail do Observatório História e Saúde (ohs@fiocruz.br) ou por intermédio de nossas redes sociais, que possibilite a troca de ideias e a construção de alternativas e ferramentas que contribuam para a superação desse descaminho. Utilizo a palavra descaminho porque penso que o caminho adequado seria que o conhecimento produzido sobre as melhores práticas adotadas no cuidado da mulher e de seu filho (a), seja durante a gestação, o trabalho de parto e o pós-parto, estivesse facilmente acessível às mulheres.

Movimentos por mudanças ganham força nas últimas décadas

Movimentos por mudanças na assistência ao parto e nascimento e de defesa de um modelo de atenção centrado no atendimento da necessidade da mulher e do bebê vêm ganhando força desde a década de 1980. Verifica-se o fortalecimento da recomendação de parto seguro associada ao incentivo ao parto vaginal marcando posição crítica em relação ao uso irracional de intervenções e tecnologias no parto, e a implementação de melhorias na interação entre parturiente e profissionais envolvidos nos cuidados. Denominado Movimento pela Humanização do Parto e do Nascimento, busca a interlocução com o campo biomédico, sobretudo com os trabalhos produzidos no âmbito da chamada Medicina Baseada em Evidências, como forma de legitimação científica para o embasamento de suas proposições.

Como desdobramentos desse movimento observam-se alguns marcos, dentre os quais destaco: o Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento (2000), a Política Nacional de Atenção Obstétrica e Neonatal (2005) e algumas regulamentações, como a Lei nº 11.108, de 07 de abril de 2005, que garante à parturiente o direito à presença de acompanhante durante o trabalho de pré-parto, parto e pós-parto imediato.

Ainda com o objetivo de promover o modelo de atenção baseado nos princípios da “humanização”, em 2011, o Ministério da Saúde (MS), no âmbito do SUS, instituiu a Rede Cegonha, estratégia de enfrentamento da mortalidade materno-infantil e de garantia de direitos (BRASIL, 2011). Em 2015, a Agência Nacional para Saúde Suplementar, apoiada pelo MS, em parceria com o Institute for Healthcare Improvement e o Hospital Israelita Albert Einstein, desenvolveu o Projeto Parto Adequado (PPA), proposta de melhoria da qualidade da assistência materna e neonatal que vêm reduzindo as taxas de cesariana sem indicação clínica (TORRES et al., 2018).

Entretanto, a despeito dos movimentos, das transformações ocorridas e das recomendações preconizadas, a assistência materno-infantil continua vivendo dilemas. Compondo o quadro, a pandemia de Covid-19 evidenciou as fragilidades do sistema e a necessária adoção de medidas que assegurem assistência e proteção a mulheres e bebês contra a contaminação pelo vírus, sem riscos de perda de direitos conquistados (GROSSI; TONIOL, 2020; PAIXÃO et al., 2021; REINGOLD; BARBOSA; MISHORI, 2020).

Uma pausa! Mas como eu cheguei até aqui?

Bem, creio que teremos outras oportunidades para que eu possa compartilhar mais detalhadamente os dados dessa trajetória, por acreditar que contribuirão para um maior entendimento sobre as escolhas feitas em relação às temáticas do estudo. Por ora, penso que o importante é esclarecer que o aprofundamento das discussões relacionadas à assistência ao parto e nascimento se dá com a minha pesquisa de doutorado na área de Saúde Coletiva. A tese foi realizada no Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira/Fiocruz e recebeu o título: “A medicalização do parto no Brasil a partir do estudo de manuais de obstetrícia” (NICIDA, 2020).

Tese sobre medicalização do parto no Brasil a partir de manuais de obstetrícia

A tese analisa, em perspectiva sócio-histórica, o processo de medicalização do parto no Brasil a partir dos manuais de obstetrícia, também referenciados como livros-textos impressos utilizados nos cursos de formação em obstetrícia, publicados entre os anos de 1980 e 2011. Parti da compreensão de que o modelo medicalizado de assistência ao parto passa pelo entendimento e pela identificação dos paradigmas que têm sido difundidos pela ciência obstétrica. Nesse sentido, o estudo dos manuais de obstetrícia como instrumento pedagógico permite-nos uma aproximação das concepções validadas pela ciência obstétrica que estão sendo recomendadas aos médicos, em um determinado tempo e em um determinado espaço (Nakano, 2015).

Sua construção foi inspirada nas reflexões sobre assistência ao parto, nas quais o direito da mulher sobre o seu corpo, a autonomia para a escolha da via de parto e o acesso às informações estejam assegurados, permitindo a ela exercer esses direitos de forma segura e consciente, de forma a vivenciar a experiência única do parto plenamente.

Pesquisa cujos resultados terei o enorme prazer de compartilhar, em detalhes, ao longo de nossas próximas conversas.

Até breve!!!

E-mails para correspondência: partoemperspectivas@gmail.com; ohs@fiocruz.br


Referências:

BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n. 1.459, de 24 de junho de 2011. Institui, no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS – a Rede Cegonha. 2011. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt1459_24_06_2011.html. Acesso em: 10 out. 2016

GROSSI, Miriam Pillar; TONIOL, Rodrigo. Cientistas Sociais e o Coronavírus. São Paulo e Florianópolis: Anapocs e Tribo Ilha, 2020. Disponível em: http://anpocs.com/images/stories/boletim/boletim_CS/livro_corona/Livro_Cientistas Sociais_eo_Coronavírus.pdf. Acesso em: 10 mar. 2021.

NICIDA, Lucia Regina de Azevedo. A medicalização do parto no Brasil a partir do estudo de manuais de obstetrícia. 288 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-graduação em Saúde da Mulher e da Criança – Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF), Rio de Janeiro, 2020.

NAKANO, Andreza Rodrigues. Uso de tecnologias e as transformações nas práticas sociais e de nascimento no Brasil: uma normalização da cesárea? 241 f. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-graduação em Saúde da Mulher e da Criança – Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF), Rio de Janeiro, 2015.

PAIXÃO, Gilvânia Patrícia do Nascimento; CAMPOS, Luana Moura; CARNEIRO, Jordana Brock; FRAGA, Chalana Duarte de Sena. A solidão materna diante das novas orientações em tempos de SARS-COV-2: um recorte brasileiro. Rev Gaúcha Enferm, v. 42, n. e20200165, 2021. DOI: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2021.20200165.

REINGOLD, Rebecca B.; BARBOSA, Isabel; MISHORI, Ranit. Respectful maternity care in the context of COVID‐19: A human rights perspective. Int J Gynecol Obstet, v. 151, n. 3, p. 319–321, 2020. DOI: 10.1002/ijgo.13376.

TORRES, Jacqueline Alves et al. Evaluation of a quality improvement intervention for labour and birth care in Brazilian private hospitals: a protocol. Reprodutive Health, v. 15, n. 194, p. 1–11, 2018. DOI: https://doi.org/10.1186/s12978-018-0636-y. Disponível em: https://doi.org/10.1186/s12978-018-0636-y.


Sobre a autora

Lucia Nicida é pós-doutoranda em História das Ciências e da Saúde pela Casa de Oswaldo Cruz (COC-Fiocruz), com bolsa do Programa Inova Fiocruz. Doutora em Saúde Coletiva pelo Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueiras (IFF-Fiocruz).
Mestre em Saúde, Sociedade e Endemias na Amazônia pela Universidade Federal do Amazonas e pelo Instituto Leônidas e Maria Deane (ILMD-Fiocruz Amazônia). Graduada em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).


Como citar este texto

NICIDA, Lucia Regina de Azevedo. Parto em perspectivas: reflexão inicial. Site do Observatório História e Saúde – COC/Fiocruz, 20XX. Disponível em: <https://ohs.coc.fiocruz.br/posts_ohs/parto-em-perspectivas-reflexao-inicial/>. Acesso em: XX de xxx. de 20XX.

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