Especial 20 anos da SGTES: a criação da SGTES

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Agente Comunitária de Saúde em Rio Preto da Eva (AM), 2009. Fonte: livro O SUS em Fotos.

A CRIAÇÃO DA SGTES

Nos anos 1990, a partir das chamadas Leis Orgânicas de Saúde, o processo de implementação do Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil se inicia sob desafios de toda ordem. Entre os mais referidos se encontram o financiamento de um sistema público universal e a governança de um sistema de saúde institucionalmente bastante complexo, envolvendo três instâncias federativas distintas. Os desafios em torno da formação, gestão e regulação do trabalho profissional igualmente figuravam no horizonte e estavam longe de serem inquietações de pouca monta. Tais aflições eram um tanto maiores se considerarmos que, a partir desse mesmo período, registramos uma sucessão de governos com orientações ideológicas liberais, com fortes interesses pró-mercado, que rapidamente repercutiam em orientações políticas que se chocavam com os direitos de trabalhadoras(es) e com o próprio efetivo processo de institucionalização do SUS.

Apesar das imensas adversidades, tal como chamamos a atenção no primeiro texto desta série, historicamente havia em torno do processo de formulação e implantação do SUS uma importante mobilização social e política que envolvia diferentes atores. Inscrita nesse mesmo processo havia, ainda, uma trajetória de discussões, de produção de conhecimento e de formulação de políticas que valorizavam o trabalho profissional e o papel das(os) trabalhadoras(es) da saúde na construção de um sistema público de saúde universal. A conformação e organização desses diferentes atores ao longo do tempo é parte fundamental de um processo de construção de distintas instâncias institucionais que, intensificando-se no contexto da Nova República, procuravam articular os setores da educação e da saúde.

Tenhamos em mente, portanto, que até a criação da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde (SGTES/MS), o diálogo entre educação e saúde, com vistas à operação de uma política nacional para os recursos humanos, era atravessado por importantes limites institucionais. A construção de pontes entre arenas institucionais, por assim dizer, foi parte de um processo político demasiado complexo, que mobilizou distintos instrumentos jurídicos e a criação de espaços institucionais com essa finalidade. Com atribuições definidas pela Lei nº 8.080/90, por exemplo, a criação da Comissão Intersetorial de Recursos Humanos pode ser compreendida como um passo importante até os nossos dias no que diz respeito à promoção da aproximação entre as arenas da educação e da saúde.

Considerando tais desafios e proposições, quando em junho de 2003, por meio do Decreto nº 4.726, é criada a SGTES, a área passa então a gozar de inédito status institucional. As dimensões da educação e do trabalho no sistema de saúde e no próprio Ministério passavam a ganhar bases político-institucionais mais sólidas em um movimento que, considerando as dificuldades históricas em torno da intersetorialidade das políticas do estado brasileiro, não se pode dizer que, conforme já sinalizamos, era desprovido de tensões. De todo modo, é importante destacar que, ao ser nomeada a partir das palavras educação e trabalho, se sinalizava também para o amadurecimento coletivo em torno de uma convergência teórica que, como também vimos, tinha raízes profundas na própria conformação do campo.

Tal perspectiva é ela mesma parte de uma compreensão muito difundida entre aqueles e aquelas que militaram e construíram conhecimentos e ações no campo da educação e do trabalho em saúde, como nos sinalizou um dos quadros da SGTES:

“Eu acho que [a SGTES] é resultado de muita luta que foi feita desde antes da ditadura. Se a gente for pra Conferência Nacional de Saúde de 1963, já se colocava a necessidade de, e era papel do Ministério da Saúde, da área de saúde, da gestão da saúde, assumir a questão tanto da formação dos trabalhadores em geral, quer dizer, formação de nível técnico, de graduação, de pós-graduação como também toda a questão envolvida no trabalho, nas relações de trabalho, no trabalho em si, nas profissões da área de saúde. Então desde lá de 1963, se tu voltas nos relatórios de Conferência, sempre essa questão é levantada”.

Em termos institucionais, até a criação da SGTES, a luta sobre a qual se refere a entrevistada tinha na Secretaria de Recursos Humanos do Ministério da Saúde uma de suas principais frentes de batalha. A antiga secretaria, desde o contexto da reforma sanitária e na vigência do SUS, amparada no princípio constitucional da ordenação da formação de recursos humanos, passava a contar com lideranças do campo em sua condução, figuras como Lia Fanuck, Francisco Campos, Tânia Celeste Nunes e Maria Luiza Jaeguer, entre outras, que até certo ponto já imprimiam no interior da Pasta da saúde discussões e iniciativas orientadas pelas agendas da educação e do trabalho.

À medida que o processo institucional de implementação do SUS avançava pelo país, principalmente a partir do final da gestão de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) – com destaque para a formulação e implantação do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e, na sequência, para o Programa Saúde da Família (PSF) –, as demandas em torno da “ordenação da formação de recursos humanos” se intensificaram. Formar pessoal de nível superior para a Atenção Primária à Saúde e qualificar agentes comunitárias(os) de saúde colocavam-se crescentemente como questão estratégica para o avanço e sustentação das políticas nacionais.

No que se refere estritamente ao cenário político nacional, em 2002, já nas movimentações políticas em torno da campanha do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva, se abriu uma importante janela de oportunidade para aquelas e aqueles que militavam na área da educação e do trabalho em saúde. O programa de governo do Partido dos Trabalhadores, já demonstrando sensibilidade para as questões relativas à força de trabalho em saúde, bem como para as questões relativas à formação profissional para o SUS, se abriu mais para essas temáticas a partir das alianças políticas que se estabeleceram no segundo turno eleitoral. A aproximação de Sergio Arouca, um quadro histórico da reforma sanitária brasileira, conferiu mais densidade política e doutrinária para uma agenda central para o SUS no futuro governo.

Dessa forma, no primeiro ano da gestão Lula, foi possível a criação da SGTES, saudada por aquelas(es) que militavam e produziam conhecimento sobre educação e trabalho em saúde como um importante avanço institucional para a construção de políticas, com a finalidade de contribuir para um efetivo processo de operação do SUS no território brasileiro. Em diálogo com históricas demandas relacionadas à formulação da política de recursos humanos em saúde e com demandas específicas tanto de gestoras(es) quanto de pesquisadoras(es) da saúde pública, a SGTES se organizava em torno de dois departamentos: o Departamento de Gestão e Regulação do Trabalho em Saúde (DEGERTS), com responsabilidade de propor, incentivar e acompanhar as políticas de gestão, planejamento e regulação do trabalho em saúde; e o Departamento de Gestão da Educação na Saúde (DEGES), cujo objetivo institucional envolvia a formulação de políticas para a formação, o desenvolvimento profissional e a educação permanente de trabalhadoras(es) do SUS, tanto no nível superior como no nível técnico-profissional.

Estavam assim lançadas as renovadas bases institucionais sobre as quais, nas duas décadas seguintes, em um movimento que não pode ser compreendido como linear, se construíram e se assentaram ações e políticas para a educação, gestão e regulação do trabalho profissional em saúde no Brasil. Trataremos sobre alguns pontos desse novo contexto nos próximos textos!

COMO CITAR ESTE ARTIGO

Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho em Saúde. Série Especial 20 anos da SGTES: a criação da SGTES. In: FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Casa de Oswaldo Cruz. Site do Observatório História e Saúde. Rio de Janeiro, s/d. Disponível em: <https://ohs.coc.fiocruz.br/documento_de_trab/especial-20-anos-da-sgtes-a-criacao-da-sgtes/>.Acesso em: dia de mês de ano.