Hoje, 31 de maio, é o Dia Mundial Sem Tabaco, data estabelecida em 1987 pela Organização Mundial da Saúde a fim de demarcar ações e campanhas para o controle do tabagismo em escala global. Esse dia é marcante, entre outras coisas, porque as ações anti-tabaco ocupam um lugar relevante na trajetória da saúde global e brasileira, sendo considerada modelar e exemplar para outras políticas e estratégias no campo da saúde. No Brasil, as estatísticas sobre tabagismo reforçam a avaliação positiva dos programas e campanhas levadas a cabo desde o final dos anos 1970 e, de modo geral, são destacadas mudanças culturais quanto aos usos de produtos derivados do tabaco. Apesar do êxito, o controle do tabagismo no Brasil se depara ainda com diversos desafios, alguns novos e outros persistentes.
A disseminação de dispositivos eletrônicos de fumar (DEF), como os cigarros eletrônicos e os vaporizadores, a ampliação no consumo de tabaco enrolado sobre um argumento – falso – de que é menos danoso à saúde, e o retorno de publicidades indiretas ou veladas no volátil campo das redes sociais são alguns exemplos indicativos de novos problemas. Somados a isso, a intensificação do contrabando de cigarros, algo profundamente marcado por desigualdades sociais, e o enfraquecimento político do controle do tabagismo em um cenário tomado por perspectivas “liberais” e de programas de educação em saúde nas escolas traçam persistências preocupantes, ainda que estatísticas gerais possam transmitir otimismo. As próprias sutilezas nas mudanças de público-alvo realizadas pela indústria do tabaco, redirecionando esforços para mulheres e jovens, principalmente em situações de vulnerabilidade, fazem com que os êxitos em algumas áreas não signifiquem exatamente uma melhora do quadro geral.
Na campanha promovida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) neste ano, por exemplo, o tema selecionado é a diversificação de culturas, ou seja, a busca por uma mudança do plantio em áreas produtoras de tabaco, uma pauta fundamental para produtores agrícolas. Com o slogan “Cultive alimentos, não tabaco”, a OMS ressalta diferentes problemas estruturais associados ao problema do tabagismo em escala global, como a fome, a exploração de trabalhadores, o impacto das desigualdades na iniciação ao fumo e na manutenção do vício, e os efeitos do plantio de tabaco no ambiente. De tudo isso, não é difícil perceber que isolar as discussões sobre cigarro e seus afins a questões como redução de danos, traços culturais e liberdade de escolha é uma cortina de fumaça (perdão pelo trocadilho) frente à complexidade social e ambiental do problema.
O Brasil é reconhecido como um país rigoroso em suas medidas de controle, principalmente no que diz respeito à regulação, com atuação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), do Instituto Nacional do Câncer/Ministério da Saúde e organizações da sociedade civil. Tanto no âmbito do Programa Nacional de Controle do Tabagismo (PNCT) quanto da Convenção Quadro para Controle do Tabagismo (CQCT), a percepção da complexidade do problema do tabagismo é clara, mas parece ser necessário mais força política para lidar com sua dimensão estrutural e maior ênfase na educação em saúde. Não uma educação que mapeie e alerte quanto aos riscos à saúde, mas que construa uma percepção da saúde como direito e ressalte o peso das desigualdades na persistência e reconfiguração do tabagismo como um desafio à saúde pública. É preciso deslocar o tema de uma perspectiva individual e reforçar seu caráter coletivo, social, político e estrutural para desarmar as falsas controvérsias fomentadas pela indústria do tabaco e discursos moralizantes, que também potencializam o argumento vazio da liberdade de escolha.